sexta-feira, maio 19

No umbral do meu silêncio

As touradas voltaram a Lisboa. Ao Campo Pequeno.

Aconteceu uma festa com a beleza, pompa e circunstância a que estamos habituados nestas coisas de inauguração. Um belo espectáculo, sem dúvida, com peso, conta e medida. À medida do povo. Do nosso povo! Gostei de ver, porque os olhos e a alma regalam-se com o agradável, como cortina ao desagradável que nos fere, diariamente, como ferros em dorsal de touro…

Gosto de festas. Muito. Não gosto de touradas. Não gosto mesmo. E só não digo: abomino, porque das touradas gosto-lhes a coreografia em passos musicados de cavalo, o desafio em corrida centrífuga, antes do primeiro ferro, a babar-se de glória, na dor do animal touro. A partir daí, a magia encenada pelo brilho, pelo toque em luvas brancas engalanado, mescla-se em espectáculo sangrento.

Não suporto os aplausos à custa do sofrimento escancarado dos outros, mesmo que os outros sejam uns animais chamados touros. Não suporto as vitórias conquistadas à medida que o animal se enraivece de dor por cada ferro que o “brilhante” cavaleiro lhe espeta. É sangue sobre sangue. A escorrer. Baba-se, o animal, porque a indignação tamanha não lhe dá para falar. Reage escouceando o pó de pedra.

A mim, a indignação, dá-me para o pasmo, porque quanto mais se me aleija a alma pelas façanhas incoerentes de outros, menos se me despegam as lágrimas e, as palavras inaudíveis, gritam mais, cada vez mais, no umbral do meu silêncio.

Adelaide Graça

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