segunda-feira, maio 22

A guerra civil em S. Paulo

Policiais do GOE realizam operação na favela do Jardim Elba, na zona leste de São Paulo - da folha Online de S. Paulo


A guerra que se desencadeou no Estado de S. Paulo assumiu contornos que merecem uma reflexão a que estas linhas não têm pretensão.

Mas vemos, ouvimos e lemos, não podemos ignorar.


As contradições sociais atingiram, no Brasil, um elevadíssimo grau. O Estado tornou-se numa brutal máquina de transferência de capital e de financiamento da propriedade capitalista. Financiamento “legal” através dos orçamentos e das legislações a isso destinadas, mas também financiamentos ilegais e corrupções generalizadas e abertamente conhecidas.

A corrupção percorre o Estado de cima a baixo.

O Estado brasileiro tornou-se no paladino do Estado neoliberal – quase só assegura o aparelho repressivo e militar. Serviços públicos são quase inexistentes, direitos sociais a mesma coisa, e a lei é coisa muito ignorada.


No Fórum Social Mundial de 2003, em Porto Alegre assisti a duas cenas dignas de registo. A primeira passou-se no pavilhão Gigantinho, enquanto decorria uma conferência com Tarik Ali, Leonardo Boff e outros. Um cidadão ostentado um placard na frente do corpo e outro atrás anunciava que vendia um rim para ter dinheiro para curar a perna. Esta, com aspecto de gangrena, não deixava muitas margens de dúvida. O outro passou-se no lugar onde as delegações se juntavam para comer. Um jovem acercou-se da mesa ao lado da minha e perguntou à pessoa se já tinha acabado de comer. Tendo obtido resposta afirmativa o jovem começou a comer os restos de comida dessa pessoa. E assim fez por mais algumas mesas.


No Brasil cresceu a miséria social e uma exclusão em massa acompanhada de caos urbanístico completo. Nesse caos urbanístico cresceram territórios sem lei – ou melhor, sob a lei dos chefes dos bandos de criminosos.

Em nome da luta contra esses bandos, a polícia acumula violações sistemáticas dos direitos humanos, assassínios indiscriminados, matanças conhecidas internacionalmente. Para muitos milhões de pessoas o território mais seguro é precisamente o seu gueto, a sua favela.


O comércio de droga, a clandestinização e a criminalização do toxicodependente empurram-no para os braços dos traficantes e alimentam os fabulosos lucros deste comércio. Ao mesmo tempo alimentam o poder e financiam a militarização dos bandos.

No interior persiste escravidão e trabalho forçado e altamente reprimido. Muitos activistas acabam às mãos de jagunços e exércitos privados. Alguns, depois de lhes cortarem os pulsos, são atirados vivos para os rios com piranhas. Os activistas do Movimento Sem Terra somam mártires todos os meses ante a impunidade quase total dos seus assassinos materiais e morais e a divagação de Lula da Silva.


Na linha do conservadorismo ideológico o povo rejeitou, em referendo, a restrição do acesso à posse de armas. A arma é um sinónimo de segurança – mas o país tem o maior índice mundial de mortos por armas de fogo.

Os acontecimentos de S. Paulo fazem soar as campainhas da esquerda. É verdade que o crime deve ser submetido à lei e à repressão, mas também é difícil de entender que depois de toda aquela escalada de violência o governo estadual acabe negociando com os chefes dos criminosos. Ou será que é os criminosos negociando entre si?


É necessário atacar as causas. Para isso são precisas políticas sociais públicas, serviços públicos de qualidade para toda a população, trabalho, nova política de urbanismo... e novas respostas na luta contra o negócio da droga, nomeadamente, retirando os toxicodependentes da dependência do traficante através da distribuição estatal do produto…


Victor Franco


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