sábado, maio 13

A actividade sindical, hoje. (II)

O meu post, sobre o sindicalismo, suscitou do meu amigo Carrilho um desabafo, expresso através de um mail. Deixo-o aqui. Para colocar mais algumas achas na fogueira.

"Meu caro Fernando

Li o teu texto "A actividade sindical, hoje". Gostei. Por isso aqui vai uma pequena e descomprometida consideração a propósito da tua reflexão sobre sindicalismo. Muito mais gostaria de escrever... Reabrir talvez algumas feridas, não cicatrizadas... Talvez... ou talvez não.

O problema do sindicalismo de hoje é como todas as restantes facetas da vida, um problema de sobrevivência. Mais do que estratégia sindical, o alargamento é uma questão de sobrevivência, de arranjar mais pagadores de cotas, que sustentem o projecto ou...

Na actual conjuntura, pragmática tanto quanto, individualista até à medula, "não há lugar para utopias", muito menos para sonhos colectivos. Os sindicatos, mal ou bem, inserem-se nessa vertente dita utópica, onde a solidariedade e o colectivismo são pedras mestras. E a verdade nua e crua, é que estes valores, solidariedade, colectivismo, etc... caíram em desuso. São para os fazedores de opinião e para muitos dos novos trabalhadores uma espécie de arcaísmo laboral. Pelo menos os arautos do neo-liberalismo esforçam-se por transmitir essa ideia. João Carlos Espada, ex-director da nossa "Voz do Povo", José Manuel Fernandes, também ex-jornalista daquele semanário, contam-se entre os mais destacados defensores dessa verborreia que consiste em "dinossáurizar" [acabo de "inventar" uma expressão] todo aquele ou aquela que se mantém fiel a princípios da solidariedade social, sem caridadezinha (ler crónica de João Teixeira Lopes de 11/05/2006 no "Publico) ou, nas conquistas que nos ofereceram e disseram irreversíveis... Ofereceram umas, outras conquistámo-las!

Quem os ouviu e quem os ouve...

Pois é meu caro Fernando... o Sindicalismo é hoje um problema sério, muito sério mesmo.

Se fizermos uma retrospectiva e chegarmos até aos primórdios do século passado, e, se nessa viagem aportássemos numa qualquer sede sindical, seguramente que o que em primeiro lugar encontraríamos seria uma sala de alfabetização, depois uma biblioteca, acolá eventualmente uma sala para tertúlias, para debates, para discussões, para simples leitura... enfim. Talvez lá para os fundos, sem qualquer destaque, encontrássemos uma salita para a burocracia, um sítio onde se pudesse acertar as contas com a estrutura de classe... Sim porque, com mais ou menos romantismo a verdade é que não se vive do ar...

Ao invés hoje entramos na sede do sindicato, qualquer um, e o que encontramos não difere de uma qualquer repartição. Ou pelo menos não está longe de o ser.

Dito isto, cabe-me agora felicitar-te pelo excelente texto de reflexão que produziste, e que me permite estar agora aqui a dissertar, sem dizer coisa nenhuma, sobre uma matéria que me é cara.

Começas por escrever, e bem, que «a actividade sindical quase não existe, em Portugal». Existe, meu caro! Ai não que não existe! Ora repara a quantidade de dirigentes que existem nos sindicatos. O "nosso" tem, para pouco mais de três mil associados, qualquer coisa como cento e cinquenta dirigentes e não sei quantos delegados. Na verdade o sindicalismo é hoje uma actividade como qualquer outra. Ouvi relatos de pessoas (sindicalistas) que embora sendo críticos da direcção x, aceitam continuar na direcção porque os subsídios associados ajudam a pagar isto ou aquilo. A vida custa a todos, né?!

Já imaginaste o número de desempregados se porventura, longe vá o agouro, o sindicalismo fechasse portas? Seria uma crise social séria... para além de tudo o resto. Obviamente que tu falas de sindicalismo, sério, responsável e, deixa-me usar o chavão, sindicalismo de combate. Pois, esse quase não existe...

«Os sindicatos não vão aos locais de trabalho, não conversam com os trabalhadores, não os percebem, não os ouvem, não entendem os seus problemas e receios.» Escreves.

Nada mais certo. E no entanto é profundamente errado! Por isso que ao menos que isso nos acirre a raiva e tempere o animo. Para lhes dar combate e para os desalojar dos «gabinetes sindicais ou n(d)as sedes (...), [para acabar com as] viagens ao estrangeiro [turismo politico, claro!] ou (...) [para por termo à] acção de acordo com a agenda política do partido ou da central sindical a que estão afectos.» e para o resto, o tudo que está por fazer.

A tua reflexão, que creio séria e descomprometida, sobretudo agora que não estás no "activo", mas já o era antes, é, se me permites a interpretação, um grito de alerta. Alerta pelo pouco que está feito e pelo muito que falta fazer para mudar este estado de coisas. Particularmente nas telecomunicações, mas não sé evidentemente.

Por isso se exige, que todos os que de uma ou de outra maneira se identificam com as tuas preocupações, conto-me entre eles, saibam medir a gravidade do momento para reinventar o sindicalismo, ou para não plagiar ninguém, criar, inventar, cimentar um sindicalismo de tipo novo; o sindicalismo da e para a nossa era, que ponha cobro a todas os "desvios" que apontas e saiba fazer uso do património de luta dos trabalhadores e dos seus sindicatos. Um sindicalismo de tipo novo, que saiba aproveitar o que de melhor tem a nossa tradição sindical e banir o que ela tem de pernicioso. Um sindicalismo que cultive o respeito pelo indivíduo mas saiba valorizar o colectivo. Um sindicalismo de combate, mas que saiba usar a negociação. Um sindicalismo de simbolismo e tradição mas sobretudo de imaginação e mobilização. Um sindicalismo politico, de classe porque não, mas democrático e combativo

E a questão que se põe é: Como fazer convergir todas essas preocupações, que são tuas, minhas, que são nossas, que são delas, deles e fazê-las desembocar numa verdadeira alternativa capaz de ganhar a confiança das pessoas?

Já quase despejei tantos caracteres quanto tu, e no entanto a minha retórica não passou dos "lugares comuns", de generalidades... Talvez não tenha dito (escrito) absolutamente nada...

Ou talvez tenha dito...

Talvez tenha querido dizer que, para alem da reflexão, é preciso fazer qualquer coisa, que é preciso intervir. Que «o processo de renovação (...), sem interferência politica e partidárias, (...) escolhendo os mais preparados, os mais disponíveis em cada momento e por períodos curtos.» se faz com a nossa intervenção, com a nossa entrega e a nosso próprio empenho. Talvez tenha querido dizer que também deste lado, do lado dos que, permite-me o abuso ou a vaidade, como nós, se julgam capazes de protagonizar a ambicionada mudança, haja também muros para derrubar, arcaísmos para combater, modernices para questionar... Talvez tenha querido dizer que as vaidades pessoais e o oportunismo surgem onde menos se espera e que é preciso estar sempre, mas sempre alerta.

«É [de facto] uma tristeza e lamentável.» que entre os que transportam o estandarte da mudança, para não falar dos outros claro está, que no seio daqueles que carregam os valores da transformação, urgente e necessária, persistam também os que a todo o custo, vá lá saber-se porquê, queiram assegurar o controlo, o lugar no aparelho, na comissão, nisto ou naquilo e na ânsia de controlar, vão travando, travando, travando sempre!

E o pior, é que há quem os aplauda, quem lhes gabe o talento, quem lhes estenda a mão, quem não core quando diz admirá-los...

Um abraço

e... pode ser que isto mude... um dia."

José Carrilho
(Membro da comissão de trabalhadores da PT)

Sem comentários: