quinta-feira, abril 20

Um poema por dia de Alfredo Reguengo (VIII)

Criancices...

Vejo brincar, ao longe, os meninos bem vestidos
sobre o tapete relvado do jardim.
Tantos brinquedos,
tantos
-santo Deus!-
tantos brinquedos caros,
que seria preciso deixar-mos de comer em casa. muitos dias
para se comprar um
apenas,
certamente!...

Os brinquedos de corda, têm vida,
bricam sozinhos,
basta, apenas, fazer frrr... frrr... num parafuso, ao lado!
E as grandes bonecas vestidas de seda
(da cor das asa das borboletas),
dizem Mamã,
Papá
e mexem os olhos como pessoas vivas...

E eu, e eu
-eu sou nós todos!-
nunca brinquei ali, na relava fofa do jardim florido,
que o polícia não deixa andar garotos,
porque o jardim é público
- e público quer dizer:de gente rica,
de gente sem farrapos,
sem ranhos no nariz
e sem cara de fome...

Eu nunca pude brincar, senão nas poças de água dos lameiros,
enquanto era pequeno e pedia pelas portas como os outros garotos
e andava de calças rachadas...

Assim que fui maior,
assim que já tinha seis ou sete anos,
entrei, aos bofetões, para o trabalho!...

É por isso que eu tenho saudades
dos brinquedos
-daqueles brinquedos que nunca tive
e que brincaram sempre nos meus olhos
-com as meninas orfãs dos meus olhos
de garoto da rua...

Que bom! Que bom que deve ser
brincar
com bonecos de corda
e com bonecas que falam e que piscam os olhos
como gente viva...

Gostava tanto, tanto, ainda mesmo agora, de brincar
-agora que já sou homem
e que, embora pequeno, ganho o pão que como
e fumo
e digo palavrões,
quando a vida, ao passar, me pisa os pés descalços!...

Alfredo Reguengo
01/04/1946

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