segunda-feira, abril 17

Um poema por dia de Alfredo Reguengo (VI)



A linha poética de Alfredo Reguengo é como disse, muito cheia de sons. E espacialmente muita discursiva. Neste poema, a musicalidade de Alfredo Reguengo, sobressai. Esta poesia é extraordinária para ser dita em qualquer tertúlia, ao som de um piano ou de uma simples viola. Às palavras usadas com a força que é uma característica da sua poesia, junta-se aqui o "nervo" contra a linguagem bajuladora como “palavras cariciosas / que se roçam por mim”, brigando com outras mais sinestécias, como “o látego das pragas/ riscando azúleos traços sobre o meu corpo enfermo” ou nesta, mais musical, no “escuro do vosso silêncio”.

Janela Aberta Na Noite

Deixem-me! Deixem-me! Vocês não sabem o que eu tenho,
nem é preciso que o saibam!...

Quero, simplesmente, que me deixem entregue ao meu negrume
e que não me digam vazias palavras de consolação.

Não me perguntem o que tenho,
nem se interessem por mim.

Isto há-de passar quando quiser,
assim que o manto negro se fundir em manto de luar
e os meus olhos ensombrados
deixarem de se arrastar no asfalto repisado...

Deixem-me só!

Fere-me a doida mudez das palavras cariciosas
que se roçam por mim
e antes prefiro o látego das pragas
riscando azúleos traços sobre o meu corpo enfermo
e rebentando as cordas da harpa eólia dos meus nervos
sem domínio!...

Que o escuro do vosso silêncio
caia sobre o escuro em que me afundo,
até que tudo seja negro-negro
como o negro chapéu da noite mais fechada!...

Deixem-me! Deixem-me sozinho
com a minha loucura a embrulhar-me,
que o Sol há-de chegar
- ... talvez na hora que vem...

Alfredo Reguengo

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