segunda-feira, abril 3

O meu mundo assim

Primeiro.
Os senhores do poder convidaram-me e levaram-me em luxuosos carros de visita a bibliotecas, museus, templos e monumentos do meu país. Aí pude apreciar a beleza da música, da dança, da pintura, da escultura, da literatura, do teatro e do cinema, obras de tantos artistas, homens e mulheres que contribuíram com o seu saber e a sua arte para enriquecer o meu país. Gostei.

Segundo.
Os senhores do poder mostraram-me grandes avenidas, enormes estátuas, as maiores praças e os mais faustosos palácios da cidade onde vivem os Presidentes, os Generais e os Cardeais todos do meu país. Também gostei.

Terceiro.
Estava um sol radiante, e os senhores do poder quiseram que os acompanhasse à beira mar para ver uma infinidade de iates para recreio, barcos que são autênticos palacetes no mar, cruzeiros e outras embarcações de luxo para gozo de férias dos senhores do poder do meu país.

Quarto.
Do outro lado da praia, vi outros palácios bordados a ouro e a prata e rodeados de magníficos lagos de água e majestosos jardins onde vivem os senhores do poder, os banqueiros e os bem sucedidos empresários do meu país. Até aí tudo era beleza, esplendor, luxo, exuberância e riqueza no meu país. Confesso que fiquei maravilhado.

Quinto.
Nesse dia, interroguei os senhores do poder do meu país. Assim: - Afinal, se viveis tão bem instalados, cheios de ouro e prata, e rodeados de tanta beleza e tanta maravilha, porque razão fazeis a guerra e com ela destruis centenas de cidades e milhões de seres humanos?
Logo me apercebi que os senhores do poder ficaram muito inquietos e muito irritados comigo. Paciência... era eu que desconhecia a ingenuidade ou a provocação da minha pergunta.
De seguida, pedi aos senhores do poder que me mostrassem as ruas e os bairros onde mora o povo do meu país. De repente, os guardas do poder taparam-me os olhos e esconderam-me no deserto onde não podia ver nada nem falar para ninguém. Não gostei. Contudo, penso que era eu ainda demasiado ingénuo para desconhecer a provocação do meu pedido.

Sexto.
Quando, pela noite, os guardas do poder adormeceram, consegui fugir, e, orientado por uma estrela, fui ver as ruas e os bairros pobres onde mora o povo do meu país nas mais miseráveis e inumanas condições. Fiquei triste, muito triste.
Depois assisti a uma enorme manifestação de trabalhadores que tiveram a coragem de dizer não a uma lei que os senhores do poder legislaram e que conduz de novo os trabalhadores do meu país à condição de escravos. Foi então que vi os guardas do poder espancar violentamente os trabalhadores e os melhores filhos do povo do meu país. Aqui deixei de ser ingénuo. E revoltei-me.

Sétimo.
Por fim. chegaram os senhores do poder e ordenaram que os guardas do poder do meu país se atirassem contra mim. E aí os guardas do poder não me taparam os olhos nem me esconderam no deserto, mas roubaram-me o olhar e as palavras e prenderam-me como se eu fosse um criminoso assassino.

Álvaro de Oliveira

O Álvaro de Oliveira para quem não acompanha este Blogue desde o seu início era(é) um colaborador mais ou menos assíduo deste espaço da esquerda. O meu amigo Álvaro, por uns tempos, deixou de publicar as suas crónicas, por manifesta falta de tempo, pois estava a terminar o seu último livro, que brevemente, estará por aí à venda. O Álvaro é um grande escritor com vários livros publicados. Quem o quiser conhecer e alguma da sua obra é descer um pouco mais abaixo na coluna da direita e fazendo um clique na página de um seu livro têm acesso ao seu site. Espero que o Álvaro que com a regularidade que puder, contribua com as suas excelentes crónicas a enriquecer este meu espaço que cada vez é menos meu e mais dos seus leitores. Com a nossa Lay, (como é Lay, não sai nada?), com a Cris, uma revolucionária dos novos tempos, com o Victor Franco, um entusiasta empenhado, com o Álvaro, um homem da escrita comprometido com ideais e causas e comigo, o mesmo dos combates de sempre, este blogue é, sem falsas modéstias, um blogue para ser tido em conta.

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