sexta-feira, março 10

A tomada de posse da Cavaco e o não cumprimento de Louçã

Para alguns criar polémica no tocante a acções do Bloco de Esquerda, decorrentes da sua actividade política, é hoje um facto incontornável da política portuguesa. Ainda bem. No princípio achavam piada à irreverência do Bloco. Aplaudiam as suas propostas políticas fracturantes. Elogiavam a “coragem” de romper como “status quo”, relativamente a assuntos tabus. Destacavam a qualidade dos seus dirigentes e dos seus deputados, Francisco Louçã era considerado o deputado mais competente.

As televisões, os jornais, os comentadores, achavam “graça”. O Bloco era acarinhado. Finalmente qualquer coisa de novo estava a acontecer na cena política. O Bloco trazia para a discussão pública aquilo que outros recusavam debater. O Bloco actuava em contra-ciclo ao politicamente correcto. Trazia a ruptura política contra o conformismo. Introduziu um discurso novo, clamava por uma cidadania exigente, responsável e participativa. Logo na primeira eleição, elegeu dois deputados. O Bloco com o grupo parlamentar mais pequeno foi o mais interventivo, o que apresentou mais propostas, logo no primeiro mandato. Muitas das suas propostas foram aprovadas globalmente ou foram tidas em conta.

Nas eleições seguintes elegeu, salvo erro, três e agora nas últimas legislativas, oito deputados. O Bloco crescia. Em termos autárquicos passou a estar representado em inúmeras autarquias. Em seis/sete anos o Bloco tornou-se uma força política importante.

A partir daí tudo mudou. A quem auguravam um fim próximo, este crescimento assustou.

O Bloco passou a ser visto com outros olhos. As ideias e as propostas políticas tinham eco em vários sectores. Nos sectores mais intelectualizados e urbanos quer no povo mais pobre. Todos elogiavam a coragem, a firmeza e a combatividade. Olhos nos olhos. Sem hipocrisias, sem se vergar a interesses, com coração. Foi assim que o Bloco cresceu. Agora o que antes elogiavam agora criticam.

O estado de graça desapareceu. Onde antes viam coragem e renovação, passaram a ver snobismo, folclore e … manias. Onde antes viam combatividade e coerência, passaram a ver radicalismo, presunção e … manias. Onde antes viam capacidade, competência, passaram a ver, irrealismo, dissimulação e… manias. Enfim! O Bloco começou a incomodar. O Bloco não transigia com a falsidade, a intriga, o consenso podre, com o formalismo hipócrita. O Bloco continuava a intervir, a denunciar, a combater as politicas anti-sociais, a reprovar as politicas económicas, as politicas fiscais, a criticar o modelo de desenvolvimento, a denunciar a corrupção, com firmeza, com clareza, sem tibiezas ou medos. E não se desviou do seu rumo; a luta pela alteração da sociedade com base na justiça social.

É isto que incómoda. Quantas, ameaças de processos judiciários foram feitos contra Francisco Louçã e outros dirigentes? Quantos foram para a frente? Palavras…, de quem para se proteger contra criticas vigorosas, mas consistentes, se refugiava para eleitor incauto ver, no procedimento judicial.

Agora outra polémica está no ar. Muitos foram os que criticaram Louçã por não aplaudir (tal como os outras deputados da esquerda), nem cumprimentar Cavaco Silva (foi o único, principal dirigente político que se recusou a esse papel) no acto da sua tomada de posse. Que era uma deselegância, falta de civismo, falta de sentido de estado...

Não perceber a atitude de Francisco Louça é não perceber ou querer perceber a génese do Bloco de Esquerda. Os deputados do BE estavam presentes, como todos os outros, no discurso de tomada de posse. Cumpriram o seu papel de deputados. Quanto ao resto, não tinham nem têm de aplaudir com o que não concordam, não tinham nem têm que ir ao beija-mão ao Sr. Presidente. Cavaco Silva é o novo Presidente e é-lhe devido o respeito institucional. E vai ser assim. Não estão a imaginar, por acaso, o Bloco rejeitar uma reunião com o Presidente ou desrespeitá-lo como figura primeira da república. Não, isso não vai acontecer... Agora o Bloco vai discordar, vai criticar, vai dizer o que pensa, nas alturas próprias. Sem subserviências bacocas.

Quem pensa que o respeito institucional se faz na “passadeira” da hipocrisia, na ideia bafienta de que é preciso cumprimentar os donos do poder, fazer o jogo do faz de conta, porque se não é considerado desrespeitoso, só na cabeça de algumas más consciências. Não se pode andar a dizer na campanha que o Cavaco é um mal para o país e a seguir, cordeirinhos, fazer fila e desejar-lhe a melhor sorte para políticas que rejeitamos.

São estas pequenas diferenças que me fazem sentir que o Bloco é o partido em que melhor me revejo.

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