sábado, fevereiro 25

Os velhinhos e a moral

O debate, da passada sexta-feira, na AR foi muito interessante. Só confirmou aquilo que é a moral deste governo, agora quanto ao chamado complemento solidário destinado a idosos com menos de 300 euros. Qualquer melhoria social, por pequena que seja, deve ser favorecida, mas convém olhar o assunto com outra exigência.

1. Comecemos por analisar “complemento”. Complemento pode significar apêndice, suplemento, remate… aqui começa o problema. Complemento não significa direito. Nunca ninguém ouviu chamar apêndices aos direitos pois não? Se não é um direito significa que a pessoa, o cidadão ou cidadã, não tem o direito – por si mesmo – de ter uma pensão mínima de 300 euros. A pessoa não tem direito a um direito, tem direito a um apêndice.

2. Agora vamos ao valor. Sócrates entende que esse mínimo é 300 euros. No entanto, a definição de salário mínimo diz que é o mínimo essencial para a pessoa viver. Ou seja, Sócrates quer fugir à discussão da aproximação das pensões ao salário mínimo.

3. Se não é um direito e apenas algumas pessoas têm acesso a esse complemento “solidário” resta ao governo determinar quem deve ter acesso a essa solidariedade, ou seja a esse favor que o governo lhe concede. Ora um governo bonzinho, mas moralmente responsável, não pode aceitar que os velhotes privilegiados por terem filhos milionários recebam a fortuna de 300 €. Um velhote, pai de Belmiro de Azevedo, não tem direito à sua dignidade própria, tem que depender do seu filhinho. Pois muito bem, é preciso introduzir uma imensa papelada, coisa fácil para os nossos letrados velhotes, uma imensa complicação para seleccionar com rigor e moralidade os que realmente precisam mesmo, mesmo, mesmo, do apêndice.

4. Ora para ter acesso ao apêndice pode, o pai, necessitar de colocar o filho em tribunal – o que convenhamos se fará com a maior das facilidades. É canja. Já estou a ver velhotes determinados, por essas aldeias fora, pondo na linha os filhos que os abandonam à sua sorte, à solidão, à sua penúria social…

5. Esta ideia de tornar direitos em apêndices pode alastrar-se a outros direitos. O que convém ficar já de alerta.

6. Tendo eu um pai paralisado do lado esquerdo e crescentemente dependente, tive necessidade de o colocar num lar privado – pois o Estado demitiu-se da sua função. Para se ter acesso a um lar que tenha um mínimo, só um mínimo, de condições humanas, os manos Franco têm que pagar 1100 € mês, mais fraldas, salvacamas, medicamentos, material anti-escaras, enfermagem...

Quanto é que Guterres disse que era o apêndice? 300 € ? Tenho que ficar chateado, ou não tenho que ficar chateado?!

Victor Franco

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