quinta-feira, fevereiro 2

A democracia participativa e a retórica

Nos últimos tempos, tem-se falado bastante sobre cidadania exigente, movimentos cívicos, poder dos cidadãos, participação democrática. Às vezes alguns cidadãos, distintos e uns tantos partidos políticos, lembram-se destes “palavrões”. Manuel Alegre é um caso de um político que ao fim de trinta anos de convivência democrática no partido socialista, tirou da cartola esta retórica fez a sua campanha eleitoral para as presidenciais e se prepara, agora, para patrocinar a criação de um denominado, movimento de intervenção cívica.

Nunca é tarde se for consequente.

Começo por dizer que sou um adepto dos movimentos dos cidadãos. Quantos mais melhor. Não me impressiono, nem me incomodo se porventura, acho exageradas algumas das intervenções destes movimentos. Aborrece-me mais a inacção. O “deixa andar”. O “faz de conta” que não é comigo. Defendo que todos, mas todos mesmo, têm o direito a exprimir o seu ponto de vista, defender as suas causas, lutar pelas suas convicções. E não tem de ser no estrito e escrupuloso cumprimento da lei. Às vezes até pode e deve ser contra a lei. Defendo a diferença de opinião, por muito que me custe a outra opinião. Defendo a manifestação, a greve, o protesto, a resistência, por quem ouse utilizar estes instrumentos na sua acção de luta. Quem age desta maneira sabe ou deve saber como os usar. Quem se envolve, nestes movimentos, pondera, decide, corre riscos, assume responsabilidades. Não se deve lamentar. Alguém me disse ou li que na vida há três ponderações prévias antes de qualquer acto: Bom senso, bom senso, bom senso. O nosso bom senso. Que vale mais do que se pensa. Que não se queixe pois, quem decide intervir do modo que ache melhor. Mas que não abdique por medo.

Mas uma vez mais isto vem a propósito de um tema que me apoquenta e que tem a ver com a qualidade da nossa democracia. Antes, um ponto prévio: Os movimentos dos cidadãos são muito importantes e não devemos ter receio deles.

Agora que estou na actividade autárquica, mais que nunca, sinto que há um grande défice de participação dos cidadãos. A gestão das urbes devia ser, em minha opinião, um dos principais focos de intervenção, envolvimento, acompanhamento e de decisão participada dos cidadãos, individual ou organizada em grupos. Pela sua importância no desenvolvimento estratégico da nossa comunidade, quer as pessoas, quer, principalmente a “governância” municipal, devia promover as acções e criar os mecanismos de participação activa, principalmente, quando se trata de tomar decisões de desenvolvimento estratégico.

E por causa desta coisas que me chateiam certos políticos e partidos que em contradição com as suas "profissões de fé" nas virtualidades da participação e envolvimento dos cidadãos, ao mesmo tempo, subtraem e obstaculizam, qualquer iniciativa de participação dos cidadãos, dos movimentos associativos ou das populações. Podemos questionarmo-nos de quantas estruturas existem e como funcionam, para fomentar a participação, receber contributos externos, ou ouvir. Eu quase posso garantir que nenhuma. As que existem e que são interpeladas são organizações institucionalizadas a que o poder decisório atribui pouca ou nenhuma importância. Servem para fazer de conta.

Mais do que insensibilidade para as questões da participação, o que os nossos decisores políticos querem, é funilizar as relações e permanecerem intocáveis na sua coutada, o que, num quadro de poder muito personalizado, converte os cidadãos em reféns dos seus bons “humores” ou dos favores de quem manda. Mais do que a própria lei.

Por essa razão é que não estranho a derrota na comissão de revisão do regimento da Assembleia Municipal de Viana do Castelo, pelos grandes partidos, de uma proposta para passar o período dedicado ao público, para o inicio das sessões e não no para o fim, às tantas da madrugada, na tentativa de impedir a participação popular. Na penúltima sessão um munícipe aguardou inutilmente pelo fim, mas a sessão foi interrompida e continuado noutra data. Enfim.

A outra questão que não posso concordar é porque raio de motivo, sendo os membros da Assembleia todos eleitos num acto eleitoral, uns são mais “iguais” que outros e tenham mais tempo para discutir os assuntos. Isto acontece porque a cada agrupamento político, foi concedido um tempo máximo, por hora de discussão, proporcional à representação municipal de cada agrupamento, mas destes, por sua vez, só falam duas ou três pessoas.

Assim uns certos “fulanos” dos maiores partidos ficam com direito a um tempo de intervenção, imensamente superior a outros. Este sistema, em minha opinião, é pouco democrático e nada estimulador da participação dos outros membros eleitos, sendo assim, figuras de corpo presente, para os momentos das votações.

Num sistema de democracia avançado, não podem existir deputados de primeira e outras de segunda. Cada deputado tem um voto e tem, isoladamente, igual valor. Não posso como deputado municipal, eleito como todos os outros, renunciar, por vontade de outros, à minha condição de igual, entre tantos. A representatividade de cada um dos grupos políticos traduz-se em mandatos, conforme a lei eleitoral em não em qualidade distinta. O tempo disponível deveria ser repartido pelos inscritos em cada ponto e eventualmente acrescentado o tempo de discussão se o assunto ou o número de inscrições o justificasse.

O meu colega que representa o Bloco na comissão de revisão do regimento, disse-me que se ia abster na votação global do documento, pois entendia que a comissão acolheu outras propostas nossas e devia esse dever de colaboração. Pela minha parte, embora compreenda a sua posição, se não me convenceram com argumentos sólidos, de que não tenho razão o meu voto será contra.

Para mim, questões como a limitação da democracia ou da participação dos cidadãos, como considero serem estes dois casos citados, são motivos suficientes para votar de modo diferente.
Mas sobre isto gostaria de saber a opinião dos que me lêem.

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