quarta-feira, agosto 23

- Fodida estou eu ...

Foi à mais de vinte anos. Nessa altura, as avarias nas ligações telefónicas eram comunicadas à Telecom, (CTT) marcando o número treze. As chamadas eram sinalizadas numas pequenas lâmpadas, com um orifício por baixo e atendidas por um operador telefónico, através da inserção de uma cavilha telefónica, com cordão e micro-telefone.

Foi engraçada a situação.
A lâmpada acende o colega operador atende a chamada e passa-me o telefone, dizendo-me apenas que era para mim. Atendi e o diálogo foi assim, quase "ipsis verbis":

- Sim, faz favor.
- Fernando?
- Sou!?
- Sou eu... a Ermelinda. Olha… não veio nada!...
- Não veio nada?!! Estamos fodidos!!!
- Fodida estou eu… e agora como vai ser?
- Temos de conversar.
- Vens cá logo?
- Sim, vou, claro...
- Apareces às nove?
- Sim, estou aí às nove…
- Tinha de acontecer-me a mim, caralho.
- Logo vemos isso.
- Tá... até logo.
- Até logo, Ermelinda.

O diálogo terminou aqui. Curto, como podem verificar.

Há situações quase inacreditáveis e esta é uma delas. Antes uma pequena explicação “técnica”. Naquele tempo era habitual as chamadas “caírem”a meio da marcação do número telefónico do destinatário. Lembro que foi para aí há vinte anos e as estações de comutação telefónica, ainda não eram digitalizadas. A comutação de chamadas já não era manual, era electro-mecânica, através de uns selectores que direccionavam as chamadas para o destino. Esse selector às vezes falhava e as chamadas não chegavam a se completar, e acabavam por “baixar” ao tal bastidor, sem o emissor se aperceber, e eram atendidas pelo operador telefónico, como se fossem dirigidas às “avarias”, também ele sem saber. Foi o que aconteceu.

A tal Ermelinda, pretendia marcar para um Fernando, supostamente, seu namorado, amante, companheiro, nunca chegarei a saber. Por coincidência, estava naquele momento, naquele espaço, designado, de mesa de ensaios. A chamada foi atendida normalmente e o colega operadora ao ouvir o meu nome, de imediato passou-me o telefone, sem mais explicações.

Eu embalei e alimentei aquele diálogo. Eu não conhecia a rapariga nem a situação. Foi um momento de intuição apurado. A frase chave foi o “não veio nada”. Lembrei-me imediatamente pelo tom de voz, preocupado, aflito, que seria a menstruação e acertei. Entrei numa brincadeira séria sem a rapariga saber. Com o nervosismo, não conseguiu sequer distinguir a voz. Não sei como terminou. O tal Fernando não deveria ter aparecido ao encontro “combinado” comigo. Deve ter ouvido das boas…

Fui muito mauzinho.

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