sábado, agosto 5

Desabafos à esquerda

Quem me acode? Estou profundamente agastado. Cansado e farto. Voltei à política partidária, com o Bloco de Esquerda. Já lá vão uns anitos. Mas num intervalo que surja vou deixar a militância partidária.

Como militante partidário tenho um grau de exigência elevado. Comigo e com os outros. Gosto de ser e não pertencer. Gosto de fazer acontecer. Não gosto de estar. Já não tenho muita paciência, para esperas. Para estar, por estar. E para ver sempre as mesmas caras. É difícil trabalhar comigo, reconheço. Tenho quase sempre opinião e ideias. O que é uma grande “chatisse”…

Não pretendo que as minhas posições vençam sempre, não tenho esse pretensiosismo, mas o acomodamento, a insuficiência de posição critica, faz-me impressão, dentro da estrutura. Falta uma cultura de critica. Não culpo a direcção ou talvez culpe, por falta de estímulos, por ser demasiado distante, por dar “autonomia” a mais, por “controlar” a menos, por não estar. Presos por ter cão e por não ter, dirão eles e talvez com razão. Poi é caros amigos, é difícil encontrar a dose certa.

Sei que vejo a intervenção política de um modo muito peculiar. O que estou a dizer não é novidade para os meus camaradas e muito menos para os meus amigos. E muitos anos decorridos, confesso faltarem-me já as forças e o ânimo, para tentar atravancar certos comportamentos errados e por isso prefiro manter-me à distância mínima.

Considero mais de meia dúzia de anos passados que está a faltar capacidade ao Bloco para atrair “novos públicos”, para a actividade partidária, fazer interessar mais as pessoas, investir mais, nos mais jovens. Trazer mais jovens à liderança. Não culpo o partido, tão-pouco as políticas do partido. Muito menos as pessoas ou os jovens. São sinais dos tempos. Mas é possível fazer mais, penso eu.

A “desconstrução” ideológica foi e é a alma do Bloco. É esta a sua marca distintiva, genética, a sua “impressão digital”. É este modelo que permite questionar o que era dado como adquirido, repensar as práticas políticas, reflectir sobre as ideologias, adaptar o pensamento e a acção aos novos problemas de uma sociedade moderna, com respostas novas e adequadas.

A “descontrução” ideológica, não é pois, um abandono da ideologia. É antes um assumir de que a ideologia não se esgotou nos pensadores clássicos marxistas ou nos pensadores mais contemporâneos, anti-capitalistas. Sem complexos e sem preconceitos, tendo como pano de fundo, os valores capitais de uma sociedade socialista, num cenário de um novo mundo globalizado. Estou de acordo com este caminho. Parece-me aliás o único.

O Bloco afirma-se da esquerda e socialista. Faz bem. A esquerda e o socialismo são o traço comum, a muitas mulheres e homens que procuram a justiça social, a dignidade, a fraternidade, o bem-estar a todos os níveis. E o Bloco tem a obrigação de contribuir, com o seu melhor esforço, para que a sociedade melhore e mude. Acho que tem feito muito por isso, sinceramente.

Isto não quer dizer que cauciono todas as políticas e todos os dirigentes do Bloco. Não o conheço o suficiente, todos os dirigentes. Mas estou convicto da bondade das suas motivações políticas. Acredito, mesmo que estão na política, para servir a causa pública. Não serão todos, certamente. Existirão e onde existir sempre oportunistas que antevêem o entremetimento na coisa política, como trampolim para outros interesses particulares.

Queria acreditar que não, mas apesar de crédulo não sou tão ingénuo a esse ponto.

Há comportamentos que não aprecio, mas avalio como adversidades naturais, num partido, novo e ainda a estruturar-se. Mas estou atento. Interessa-me, antes, acentuar o que melhor descortino na actividade do Bloco. A presença de um vasto grupo de pessoas, verdadeiramente empenhadas. Desinteressadamente empenhadas. Pessoas que dão o seu tempo, a sua disponibilidade mental e física, a um ideal, a uma ideia. A de construir uma ponte de esperança, de resgatar a política, de se entregarem à causa de uma sociedade mais igualitária e justa. Uma sociedade socialista na sua profunda essência.

O problema é outro. O problema sou eu e outros como eu. E piores que eu. Estou cansado. Saturado. Sem paciência. E quero mais e exijo mais e desgosta-me que tudo ande ao ralenti. É preciso mais. Não podemos estar à espera que “os amanhãs cantem”. Que a “história nos dê razão”. Que tenhamos mais deputados, mais autarcas, mais influência, mais simpatia. É bom, mas é pouco.

Os pobres, os desempregados, os sem casa, os famintos, os angustiados com os novos tempos, os desempregados, os com o emprego precário, todos os que estão preocupados, com o presente e um futuro incerto e inseguro, com a assistência social, com a saúde, com a segurança, não podem esperar. Querem ter tempo de ter uma vida para viver com dignidade. E aqui há muita a fazer e daí, também alguma da minha insatisfação. Não estou no partido por estar. Estou porque quero que alguma coisa mude.

Já o disse. Não sou uma pessoa sectária. Não sou um radical. Mas sou alguém com princípios e causas. E estando em causa certos princípios, certas atitudes inadmissíveis, como a indignidade, a injustiça social, sabem que contam comigo, a sério. Aí transfiguro-me. Aí cuidado comigo. Por isso é que valorizo a unidade, os pequenos avanços, as pequenas e grandes conquistas, não importa se conseguido, à custa de um apagamento partidário, da ajuda do padre da freguesia, da instituição social, do movimento associativo, da actividade de outro partido.

É por isso que defendo uma esquerda, ainda mais ampla. Uma esquerda orgânica com base em linhas programáticas concretas e comuns à esquerda. Para fazer pequenas conquistas que para os beneficiários são grandes conquistas. Para dar uns empurrões para a frente. Uma esquerda de denominadores comuns. Uma esquerda orgânica, sem, perda da intervenção e identidade própria, de cada organização, partido, ou associação cívica. Uma frente de esquerda. À semelhança e imagem do Bloco. Para criar, num futuro, um partido da esquerda portuguesa. Um novo partido socialista.

É difícil, claro que é. Mas insisto, não chega ter mais deputados, mais simpatizantes, mais influência política e social. Isso é bom, muito bom. Mas em nome dos que sofrem todos os dias os que são vitimas do desemprego, do emprego precário. Dos que têm fome, não têm casa, não têm saúde. É preciso mais. É preciso arriscar mais. Ser mais combativos e conquistar todas as forças que nisso estejam verdadeiramente interessadas.

Há que apostar nestes caminhos. E não olhar para os nossos umbigos apenas. Por muito bem intencionados que sejamos. O tempo corre.


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