domingo, agosto 13

Cuba III

Pode haver socialismo fundindo o partido com o Estado?
Uma das características dos regimes ditos socialistas é a fusão do partido com o Estado. De onde virá essa consequência? Apenas algumas notas.

O conceito vanguarda do proletariado e o exercício do poder por essa vanguarda organizada no partido do proletariado:

Determinado que havia um partido que era a vanguarda, a reserva mais consciente e avançada do povo, o filho mais querido do proletariado, o melhor fruto da revolução, a ditadura do proletariado era exercida pelo representante desse proletariado – legitimamente – o partido. Por definição dos estatutos do partido e até por definição constitucional. Esta poderá ser uma das ilações porque não são necessários outros partidos. O que era necessário era eleger representantes pessoais do povo – intimamente ligados ao povo – portanto em círculos uninominais. Elegia-se o cidadão A ou B não se faziam escolhas políticas por caminhos e soluções políticas. Era assim no leste, penso que será assim em Cuba.

Aqui há uma outra questão. A ditadura do proletariado, a caminho do socialismo, exercia-se para impedir a volta da burguesia ao poder. Ora se se reconhecia que existiam ainda classes sociais como se poderia fazer a representação política dessas classes? Será abusivo dizer que não podendo se expressar livremente e eleitoralmente, as diversas opiniões e interesses na sociedade, esses interesses tivessem como único, estranhamente, precisamente o partido que se dizia do proletariado? Sim porque quando se expressavam na sociedade recebiam a prisão e o fuzilamento como resposta! E lembram-se daquela frase que diz que “não há machado que corte a raiz ao pensamento”?

A ausência de democracia, de contraditório, de eleições livres a todos os que respeitassem a “democracia popular” concentrou no poder uma única organização – quase sempre um único grupo de pessoas que se perpetuaram no poder. E o que é um facto, é que um grupo de pessoas, maior ou menor, se constituiu como centro de poder, se constituiu como “proprietário” indirecto dos meios de produção, como decisor único sobre esses meios, sobre o poder de Estado, sobre a economia. O que é um facto é que esse grupo de pessoas se constituiu em classe-em-si, em burguesia beneficiadora dos privilégios fundamentais e do controle da economia.

Talvez a fusão do partido com o Estado ajuda-se a levar a que esse Estado deixa-se de ser a ditadura do proletariado e passa-se a ser a ditadura do partido que se dizia do proletariado. E esse partido deixou de ser do proletariado e passou a ser de uma outra e nova classe.

Em Cuba os privilégios poderão ser diminutos, se comparados com os da ex URSS, mas a raiz ideológica do problema é a mesma. Talvez isto tenha a haver com a perpetuação dos dirigentes. Dirigentes idolatrados e temidos.

E perante tudo isto não há romantismo que nos valha!

Os marxistas não têm futuro se persistirem nos dogmas trágicos do passado. A prática marxista parte de uma análise da sociedade, de uma referência de classe, com as ferramentas do materialismo e da dialética - não é um exercício de copy-paste de soluções de um outro tempo de uma outra realidade.

Victor Franco

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