sexta-feira, dezembro 30

Alegre, pátria e bandeira.

Nunca gostei da utilização da palavra “pátria” no discurso político. Também não gosto da utilização pungida do hino nacional e do frenesim pela bandeira nacional. Aceito e contemporizo em certas circunstâncias muito particulares, não como a apologia de uma superioridade, antes como uma benquerença por algo que sentem como seu.

Pátria e nacionalismo, querem dizer exactamente o mesmo, objectivamente, por mais que digam que não. Pátria e nacionalismo são palavras ouvidas e mais que ouvidas por diferentes nacionalismos, ainda hoje presentes, em alguns sectores da sociedade, sejam de feição fascista, republicana, socialista, comunista ou maçónica.

O nacionalismo de qualquer natureza é um erro e um indicador de uma ideia de superioridade. Sempre foi assim. Esse é o seu traço fundamental. É o orgulho pateta de quem julga a sua cultura, a sua história, a sua vocação, a sua etnia, os seus valores, melhores e mais preparados que os outros.

O nazismo, o fascismo, as políticas imperialistas, o colonialismo, são expressões desta superioridade doutrinal, pretensamente, investidos por um qualquer poder divino que lhes atribuiu uma qualidade superior e universalista. Foram estas “aptidões” que durante muitos anos, justificaram a nossa presença colonialista em muitas partes do mundo, como os “grandes civilizadores” e que foi a imagem da marca das políticas imperiais de Salazar, em particular em África.

Pátria ou nacionalismo transportam uma ideia de superioridade que é bem patente agora no discurso de Alegre ao invocar a “vocação universalista portuguesa” para lembrar e associar o "novo" Portugal, à época dos descobrimentos e a uma posição cimeira de Portugal no mundo.

São palavras sem sentido e perigosas. Nós podemos e devemos ter orgulho em muitos acontecimentos do nosso passado. Podemos e devemos gostar do nosso país, da terra onde nascemos, onde ganhamos raízes. Mas, somos parte de um mundo, onde vivem, convivem e se cruzam, diferentes etnias, religiões, culturas, todos iguais, todos diferentes, onde mais tarde ou mais cedo, seremos a síntese de tudo isso.

O nacionalismo ou o patriotismo não são uma identidade nacional. A unidade em volta do conceito de pátria, torna invisíveis as desigualdades sociais ou os conflitos de classe. Não há nacionalismos melhores e piores. Eu não posso estar com um Belmiro porque é da minha pátria, contra um trabalhador explorado na China, porque não é da minha pátria. Eu não posso estar do lado do Belmiro alegre e patrioticamente concertado, contra qualquer trabalhador explorado de qualquer parte do mundo, só porque não é da minha pátria.

O patriotismo recuperado do Alegre ou um hino nacional cantado numa sessão do PCP, são reminiscências de um passado de “glória”, muito nacionais e fechadas ao mundo e por isso perigosos num mundo globalizado e transfronteiriço.

Convém lembrar, não há muito tempo, o sucedido na França com as “passagens” de votantes habituais do partido comunista e nos socialistas republicanos, directamente para Le Pen, por causa dessa defesa desses “nacionalismos”, habilmente aproveitado pelo outro “nacionalismo”.

Portanto Alegre, ao contrário do que dizem alguns, não trouxe nenhum contributo inovador à esquerda, pelo contrário, as suas posições, como a de outros, que se fecham aos novos tempo (em que tudo o que vem de fora é mal – mesmo sendo trabalhadores), desconsidera a luta dos trabalhadores imigrantes e tem uma posição retrógrada sobre o mundo nada adequado a um homem de esquerda que se opôs ao fascismo.
Nota:
Este tema que há muito tempo estava para escrever, acabou por sair agora, depois de ter lido um artigo excepcional, no jornal "Público" de ontem, sob o título O rectângulo, escrito pelo Historiador, José Neves, com o qual concordo inteiramente, recomendando a sua leitura.

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