quinta-feira, janeiro 26

Um balanço das presidenciais (fim)

O resultado de Alegre teve o condão de aclarar posições. Em primeiro lugar mostrou que há um eleitorado socialista, sociologicamente, mais à esquerda, cansado do aparelho, dos notáveis, das elites e a dar grandes sinais de exigência de políticas de rigor e transparência, mas com sensibilidade para as questões sociais.

Este eleitorado tende a acantonar-se a propostas políticas mais à esquerda do Partido Socialista o que é um bom sinal e deve levar a esquerda a reflectir sobre o seu futuro. Por outro lado, ficou claro que este movimento de pessoas que apoiaram Alegre é muito heterogéneo. Provem de distintas sensibilidades, tem diferentes motivações pessoais e políticas, nasce de uma conjuntura específica, não tem um líder qualificado e por isso qualquer tentativa de construção de uma nova associação, de qualquer natureza, em seu redor, está condenada ao fracasso e pode comprometer um projecto a prazo de reorganização das esquerdas.

Poderá ser um voto inglório se for usado para outras guerras. Cabe aos partidos e a cada um de nós, interpretar correctamente o significado da votação em Alegre.

Mário Soares como candidato foi a aposta perdida à nascença. Toda a gente viu isso quando a sua candidatura foi anunciada. Soares tinha muitos anticorpos à esquerda e à direita. A candidatura de Soares, fez ressuscitar velhos demónios e toda a gente caiu em cima do homem e do político.

Também, por culpa própria.

Soares não se deu conta de que este já não era o seu tempo. Avaliou mal a situação e avaliou-se mal. Avançou com generosidade, procurando prestar um serviço ao partido, depois das renúncias de Guterres, Vitorino, Jaime Gama e das hesitações de Alegre. Não foi claro o aparecimento da sua candidatura. “Cheirou” a golpe nas costas de Alegre. Cuidou só de olhar para dentro e afastou-se da realidade.

Soares, teve uma prestação eleitoral nobre e galharda, mas cheia de equívocos. Nunca percebeu o que se estava a passar. Não entendeu o “estranho” fenómeno que a certa altura tomou conta da sua candidatura e inopinadamente “inundou” o País: da esquerda à direita, largos sectores da população viram em Soares, o símbolo das velhas políticas, das oligarquias, dos favorecidos, do “tacho”, do compadrio e das clientelas. Sem apoios fortes, dando o corpo ao manifesto na defesa das políticas anti-sociais do governo, praticamente só, subestimado pelos próprios socialistas, não podia evitar uma derrota pesada e estrondosa para si e para o Partido Socialista.

Jerónimo de Sousa fez bem o seu trabalho. O objectivo era consolidar e reforçar a confiança dos seus eleitores nesta nova direcção. Fê-lo com mestria. Jerónimo com uma imagem simpática, afável, mostrando convicção e simplicidade ao mesmo tempo, com um discurso mais terra-a-terra, do agrado popular, tem sido eficaz, na sua mensagem. O recuperar do fôlego ficou patente no comício nacional em Lisboa que animou as hostes. O aparecimento do Bloco tem feito bem ao Partido Comunista. Não deixa, contudo, de transparecer que está a falar para o interior do partido.

Francisco Louçã fez uma campanha extraordinária. O objectivo era muito categórico. Em primeiro lugar derrotar Cavaco Silva, depois espalhar no País a semente de novas ideias, uma nova forma de fazer política, transmitir esperança, força, convicção, esperança, auto estima e por fim mobilizar as energias cívicas para uma cultura de exigência, rigor e responsabilidade. Não mais do que isto.

Falhou no primeiro objectivo, agarrou bem os restantes, não obstante o resultado de 5,3 por cento, abaixo do melhor resultado de sempre, 6.3 por cento, das últimas legislativas o que manifestamente não dá justiça, a um desempenho de alto nível.

Louçã enfrentou esta tarefa com bravura, talento, inteligência e competência, como não deixaram de reconhecer a generalidade dos comentadores. Louçã baixa de votação, com a deslocação de imensos votos para Alegre, mas acolhe, também, muitos outros, que minimizam as deslocações para Alegre.

Uma parte significativa do eleitorado do Bloco é muito jovem e urbano e algo volátil, não tendo ainda, naturalmente (O Bloco tem apenas seis/sete anos) um eleitorado consolidado. Muitos votos destes eleitores, foram, em grande parte para Alegre, por um lado, porque lhes parecia o candidato com mais possibilidades de congregar mais apoios para uma segunda volta, contra Cavaco e por outro para castigar Soares. Não havia da parte da grande maioria deles, discordância com a candidatura de Francisco Louçã, apenas fizeram uma avaliação das forças em presença e fizeram a opção que lhes pareceu mais correcta. Nada a dizer.

Penso que Louçã com esta candidatura ganhou uma posição de maior destaque na cena política e é uma reserva para novos combates no futuro e emprestou mais prestigio ao Bloco. Este campo da esquerda exigente está mais alargado e pode ser reforçado. Assim saibam as forças desta área, encontrar as formas de organização e de democracia participativa, alargada, com fóruns de discussão e reflexão, sem reservas mentais, sem sectarismos e integradora.

A posição de Teixeira Lopes relativamente ao anúncio do regresso de Joana Amaral Dias, não é um bom prenúncio. Aguardemos.

Os próximos tempos com Cavaco Silva na presidência e Sócrates no governo, apoiados no lobby de interesses, do poder económico, não pronunciam boas notícias para os que mais têm sido castigados, nos últimos tempos.O futuro tranquilo, segue dentro de momentos.

Sem comentários: